quarta-feira, 25 de março de 2009

Não há título para o que é intitulável


Para você

Enquanto ele falava, me contando suas histórias de sertão e mar, me lembrei do Caio. Se fechasse os olhos iria confundir sua voz com a dele. Tal qual o Caio, suas histórias falavam de um cotidiano menino que veio do interior e descobriu a cidade intensa, diversa e colorida como as suas roupas e as pulseiras 'de hippie' que tanto gostava de fazer.
Encontros. No dia que desembarcou na cidade da Bahia seus olhos ganharam o mundo, a cidade pareceu enorme e tudo não coube num suspiro só. Respirou outra vez e a metrópole invadiu o seu corpo tomando toda a sua extensão - dentro e fora. Na primeira vez que nos vimos, reparou na cor da minha barba e na minha fisionomia. As conversas eram pausadas por silêncios-tentativas de colocar vírgulas nos lugares certos e não mostrar-se inteiro.
Intensidade. Dessa última vez, reparou na cor dos meus olhos - o azul dos meus olhos pareciam mais azúis - e minha face enrubesceu fazendo charminho. O seu falar intenso exclamativo 'gritos de vamos pra vida' convocava mudanças no nosso cotidiano de cada dia. Verborragia. Cheia de contéudo e vida, o verbo derramado pelas calçadas por onde passávamos iluminando a cidade de novos ideais.
Wally Caio Renato Cazuza Drummond Rorô Caetano Clarice Buarque Cartola Hendrix Vinícius Elis Guevaras e Rauls. O verbo se fazia carne no instante que o sinal fechava e inundava de fé e esperança o asfalto negro. Inundava a minha memória da pele trazendo à tona tudo que referencia a minha existência enquanto homem gay urbano brasileiro universal. A cabeça tomba no travesseiro e se agita ao som das suas palavras que ecoam dentro de mim.Venha sempre, esteja sempre. Intenso, verdadeiro e belo como sua cicatriz no canto da boca e sua barba por fazer.

All-ways


Um pé na frente
Outro atrás
O direito sempre
Na frente do esquerdo
3.600 passos até o ponto de ônibus
30 min até o trabalho
21600s de trabalho
2h de descanso
1431 o número do ônibus
2,20 o preço da passagem
60 páginas para o TCC
As mesmas pessoas os mesmo alunos as mesmas confusões a mesma aula os mesmos questionamentos o mesmo olhar insistente no relógio - essa hora que não passa!
Nada de extra-ordinário nisso tudo.
Pelo contrário.

Fonte de estudo para alguns filósofos, o cotidiano tem enlouquecido e desumanizado os homens. Os ônibus lotados, os engarrafamentos, as filas enormes têm tolhido a criatividade dos homens, que feitos tal qual máquinas, reproduzem, repetem discursos. E se sentem mcdonaldismente felizes, shopping center felicidade. 
"A cidade não pára, a cidade só cresce, o de cima sobe e o debaixo desce" gritou o poeta mangue-beat. O concreto invade a avenida que há dez anos era verde. As lagoas têm secado, o parque florestal é um campo de golfe, a praia local de despejo de esgoto, meninos e meninas sendo assassinados em portas de escola. 
Em algum lugar dessa cidade alguem ouviu e compartilhou dessa indignação mas o apito da fábrica anunciou - os galos não cantam mais, são eletrônicos celulares - outro dia de trabalho ônibus cheio de roupa amassada de filas de banco do leite do sabão de relógios de ponto de 3.600 passos até o ponto de ônibus de 30 min até o trabalho de 21600s de trabalho de 2h de descanso de 1431 o número do ônibus de 2,20 o preço da passagem de 60 páginas para o TCC.

- Pensar?
- Agora não posso, estou atrasado.

"E prá ter outro mundo
É preci-necessário
Viver!"
E subverter a ordem pondo a rotina de cabeça pra baixo, para ver o céu aos nossos pés.