sábado, 28 de fevereiro de 2009

Ao nosso dom de ir e vir














"(...)
E se me virem sambando
Até de madrugada
E você for até lá...

É que eu sambo direitinho
Assim bem miudinho
Cê não sabe acompanhar
Vou arrancar tua blusa
E por no meu cabide
Só prá pendurar
Quero ver
Se você tem atitude
Se vai encarar..."


Era de madrugada o samba já havia acabado, as cadeiras empilhadas e o chão varrido. Ele foi chegando, daquele jeito que era só seu: cigarro na boca, boina e óculos vuarnet. Veio devargazinho, cheio de malandragem e ocupou todo o salão novamente. Tinha partido numa tarde de verão, desligado o celular, encontrado outros horizontes. -Pra nunca mais! tinha prometido ao meu santo Jorge.
Cheio de marra, trouxe à tona as memórias mais antigas, do cheiro, do olhar, do gosto. Eu sorrir, gargalhei e me senti mais jovem! Abri o salão novamente para toda aquela juventude, coloquei a roupa mais bonita e me perfumei de alfazema.
Dei-lhe um banho e dançamos nús pela sala-cozinha-quarto reavivando a cuíca, o tamborim e o pandeiro. O samba tocou alto até o céu alaranjar novamente lá no horizonte e os corpos cairem no chão exaustos. Ainda pude ouvir o portão batendo lá fora no instante que o galo anunciou o novo dia. Foi embora sem dar até logo ou dar um cheiro no cangote.

-Você é o mistério que me tira do sério, que me faz amar, cantarolou no rádio a voz feminina.

Sorri aliviado um sentimento beira-mar de que as ondas vão e voltam mais intensas e mais repletas de qualquer coisa que faz muito bem.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Corpocasa-cidadecinza-lembrançadoída




Àqueles que frequentam minha casa-corpo
Ao seu mais novo visitante, Diogo


Na manhã seguinte a sua partida não fez sol.
A cidade tingiu-se de cinza.
Engarrafou-se o trânsito, nenhum passo a diante.

Dentro do poeta a cidade chuvosa.

Havia o silêncio
(apenas interrompido pelas buzinas dos carros que tinham pressa de chegar ao seus destinos)

Havia a falta
do corpo juntocolado, esquentado do frio
da troca de carinhos

Sempre quando partiam na manhã seguinte,
o poeta se doía
doía bem lá dentro,
apertando o coração.

Essas eram as piores horas.
Quando acordava e
percebia que eles já não estavam mais.

Havia apenas toalhas molhadas,
latas de cerveja e garrafas de vinho
no canto da cozinha
E o perfume deles que permanecia no ar,
nos travesseiros,
nos lençóis
que embriagava as lembranças
e conduzia o poeta de novo ao sono.

Naquela manhã
a casa-corpo-casa do poeta
estava em suspensão
tentando desligar-se de todos, de tudo
mantendo-se por apenas um fio.

Mas a cidade cinza convocava-o
ao trabalho, ao cotidiano
E ele deixava-se ir.
Conduzido.
Saudoso daqueles que partem
levando-deixando uma parte de si
de nós.

Naquela manhã
o poeta fez desabrochar dentro de si
(no seu jardim mais secreto)
mais uma flor.
Linda, perfumada
Flor de MacaúbaSãopaulo
Flor Universal.

(01/12/08)

Os livros e Ela















"Os livros são objetos transcendentes
Mas podemos amá-los do amor táctil
Que votamos aos maços de cigarro
Domá-los, cultivá-los em aquários,
Em estantes, gaiolas, em fogueiras
Ou lançá-los pra fora das janelas
(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)
Ou ­ o que é muito pior ­ por odiarmo-los
Podemos simplesmente escrever um."

Caetano Veloso in Livros



Lembrar dos livros é ter a cabeça nessa pessoa que surgiu em minha vida, a qual tenho devotados bilhetes. Para ela dedico esse post.

Ali onde se lê Juliana leia-se Juliena.
Como me disse, timidamente, não é Juliana é Juliena: uma mistura de Julia e Julieta. Peço desculpas se me atrapalhei na escrita. Eu conheço duas Júlias muito sapecas, inteligentes e desbravadoras do mundo e conheço também uma Julieta, nascida da cabeça de Shakespeare, amante e impulsiva, ela foi até as ultimas por um belo amor.
Ariana e amante dos livros, você, minha flor, vem transformando as minhas manhãs em convites à leitura. Passei a manhã lendo e lembrando de ti. Quando começo a ler um livro, me deixo envolver e embarco. Não sei se como você mas deixo o mundo lá fora e fico aqui descobrindo esse novo mundo. Estou lendo O caçador de pipas, vc conhece a história? A capa me fascinou e assim me deixei levar na leitura e assim vou indo... Nessas férias me dediquei a leitura de muitos livros e você qual seu livro de cabeceira?

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Olhos de maresia




Não, não se trata da história daquela menina do suburbio do Rio e nem daquele senhor casmurro. Falo de um homem. O homem que tem os olhos de maresia.
Quando apareceu pela primeira vez, foi numa noite lá no porto. Eu ia jogar minhas poesias ao mar e ele chegava naquele grande navio estrangeiro. Mas tarde vim descobrir que, na verdade, ele era um estivador e que morava lá onde a pedra é redonda e o sol se põe de mansinho. 
Quando meus olhos pousaram nos seus, lembrei dos daquela menina do livro. Era daquele jeito que eu os imaginava. Isso me deixou encantado. Seu sorriso era lindo e seu hálito era de hortelã. Como um marinheiro que não resiste ao canto das sereias, me atirei nessa paixão-mar. Desconhecendo dos perigos daquele mar para a minha canoa-vida.
Noites dias madrugadas maresia ressaca vivi a intensidade das ondas de março. 
Fui encontrado, ontem, lá onde a pedra ronca. Tinha o corpo nú coberto de poesias de despedidas, canções de além-mar. A boca pintada de um vermelho intenso e um buraco bem no lugar do coração.

Bilhete para Juliana

(bilhete encontrado dentro daquele livro que cheira saudade)

Ju,

Ver o mundo a partir dos seus olhos é reparar o que há de vida em cada milimetro Que há vida no grão de areia da praia de areias brancas, indo e vindo ao sabor dos ventos e das marés. Que no silêncio da madrugada a vida pulsa humanizando todos os amantes e vagabundos que perambulam pelas ruas desertas. Quero ler-te mais, emaranhar-me nas suas linhas e singrar os mares que existem nesse sertão de onde você veio.
Um dia, uma flor apareceu nesse meu secreto jardim. As flores existem desde sempre nos jardins, mesmo antes de se mostrarem belas e cheirosas, assim como dentro de cada semente existe uma árvore. Acho, querida menina, que uma bela flor está brotando por aqui. Flor de cactús, que vem do sertão trazendo chuva e mais vida pra esse quintal. Já sinto de longe o cheiro da chuva na terra molhada e o cheiro dessa flor literária que rompe o asfalto.

"Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
" Drummond

Furando o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio. E transformando toda nossa rotina.

Dorme bem, Juliana. E não tenha medo de terminar os livros que começou a ler. Eles habitam dentro de ti desde que seus olhos passaram pelas primeiras linhas da primeira folha.
Ah! Deixa eu te contar um segredo: eu também gosto de sentir o cheiro dos livros novos. aí fico nas livrarias passando o dedo para sentir a textura da capa, folheando-os bem pertinho do rosto para sentir o ventinho feito e o cheiro das palavras e daquele mundo novo.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009





"Não mais preciso do que queria, envelheci"


do zine de rodrigo m. leite.
do piauí para o mundo.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Pós-Janaínos

Enquanto os pingos da chuva pipocam no telhado
e os corpos quentes vermelhos do sol
se esquentam na cama estreita
o café, que perfuma a casa,
anuncia o alvorecer.

Lá longe o galo canta
o seu moço me sorrir um bom dia
e a rua molhada pisa o pé sujo de areia.

A cidade azul
amarelada de sol
ilumina a cama,
o barco e o sexo
do homem na praia.

As gavetas se fecham
O relógio badala
E a Ave Maria no rádio
tece linhas rosas,
laranjas, verdes
no encontro do céu com o mar.