sábado, 25 de abril de 2009

Domingos (Sábados) de conversa


"(...) o mundo não será feliz enquanto todos os homens não forem artistas. A vocação do homem é criar."
Domingos de Oliveira

Dêem uma olhada:
http://domingosinprocess.blogspot.com/2008/10/carta-um-jovem-ator-na-ntegra.html

Tenho dito


Não leio livros de grandes escritores pra impressionar meus amigos. Leio unicamente pra me impressionar diante do desvelamento do óbvio, do deslumbramento com o cotidiano.

"Por esse pão pra comer,
por esse chão pra dormir.
A certidão pra nascer,
e a concessão pra sorrir.
Por me deixar respirar,
por me deixar existir."


É essa fome que me faz acordar pro dia tumultuado de encontros e desencontros, filas e guichês vazios, de ônibus lotados de trabalhadores responsáveis pelo rodar do mundo, de sorrisos entristecidos e botocados. É essa fome que me faz acordar antes do galo pra encarar uma turma cheia de alunos, horas dentro de ônibus que vão apressados pelas avenidas pulando quebra-molas invadindo sinais. É essa fome que me faz passar horas estudando diante de um computador que ameaça parar a qualquer instante, que me faz refletir o sentido de tudo isso aqui, que me faz discutir novas possibilidades de mundo. É essa fome que me leva até a cozinha preparar o alimento de cada dia, esquentar os pães, repartir o verbo, requentar o café.

é essa fome que me dói o estômago, que me faz mais homem e mais humano.

domingo, 19 de abril de 2009

menino do elevador,


é por causa dessa intimidade de cheiros e dessa cumplicidade de idéias que temos hoje, que eu ansiava, naquele tempo, te encontrar no elevador sorrindo comentários sobre a arte que mais amamos: o teatro.

Quando a canção do poeta fala do nosso dia-a-dia ou Zii & Zie


Ilhado.
 Textos pré textos canções poemas urbanos imagens de horror permeiam essa minha existência soteropolitana

Desde quinta a cena retorna como uma onda à minha retina: os olhos dele cheio de lágrimas fixo no homem alto negro magro de colete marrom do conselho tutelar. O tal homem, representante do estado, tava ali para buscá-lo. O seu irmão mais novo tinha sido levado mais cedo e não tinha derramado uma lágrima sequer. A partir daquele momento o estado assumia a guarda daqueles dois menores enquanto eu passava a me sentir um educador frustrado. Foi mal, papai Anoiteceu. Não consegui me despedir dele, fiquei muito triste vendo a cena e envergonhado me tranquei na sala de aula, chorando solitário e derrotado. Voltei pra casa, pedindo aos deuses proteção àqueles meninos, cantando, chorando, me despedindo deles mentalmente. Tchau, mamãe Valeu.

Pariu, cuspiu/Expeliu/Um Deus, um bicho/Um homem
 
Escutar o novo cd de Caetano, entre uma leitura e outra para a monografia, me fez refletir sobre a minha escolha profissional. A primeira música de título Perdeu, com sua guitarra marcada e canto-protesto, veio em cheio à memória da minha pele e ressoou trilhando a história desses meninos que encontrarei daqui pra frente. 

Ser educador da periferia é uma escolha dolorida, por ter que ver pelas entranhas, pelo lado de dentro como as coisas acontecem. Ver uma realidade  perversa e sem futuro, sem amanhã. 

O sol se pôs / Opôs, nasceu/ E nada aconteceu

Ser
educador na periferia é uma escolha ESPERANÇOSA. Estar ao lado dos oprimidos é acreditar que juntos podemos mudar o rumo dessa história que já vem pré-editada, pré-meditada. É ter fé no homem. 

Havemos de amanhecer, preveu o poeta Drummond

Ser
educador é  perceber em meio à madrugada os primeiros raios de sol. E é na luta diária na cidade sotero-cosmo-metropolitana que se constrói o futuro. Com a mão na massa levantando a laje, com o pé no chão de barro, com a caneta em punho tcceando idéias, sentado em roda dialogando com os adolescentes e com os pais dos adolescentes, derrubando os muros das universidades e aproximando-se da realidade-comunidade. Assim, ficaremos grávidos e comporemos nossas próprias canções, nossos próprios textos, faremos nossas próprias leituras de mundo criticizando-o e se percebendo nele e parte dele. 

Cresceu, vingou/ Permaneceu, aprendeu/ Nas bordas da favela

Ilhado entre textos, canções, artigos e dissertações passei o fim de semana. Deles, tenho feito barquinhos e aviões de papel e partido pra outros mundos possivéis construídos a partir da margem e vindo das favelas.




sábado, 18 de abril de 2009

entre um livro uma música entre umas e outras

a
chuva chuvou a roupa molhou a pele enrugou encausulou escureceu às cinco coração amolecido lágrima fugitiva pé de menino e menina na chuva tardinha que já vai noitinha sábado de jazz e jaz em casa enrolado no edredom caê cantarolando caio narrando dedos nervosos no teclado e os pingos que batem contra a janela da sala. 
o novo cd o novo livro o novo dia que virá depois da chuva quando as cigarras se calarem e as galinhas correrem sob o sol escaldante. 
ele cantará e repetirá o verso maldito das suas transcanções e ela desfilará nua pelas ruas da avenida sete sua transexualidade da cor da cidade viva que brota do esgoto lançado na boca do rio. ele e ela reinventarão o terceiro sexo que a pós modernidade dissolverá com uma nova teoria, juntos criarão uma nova língua suburbana extinguindo as mesóclises e os pronomes possessivos e de cima dos seus trios e palanques traduzirão a essa nova onda (que onda!) e conclamarão revoluções de dentro para fora - gozo democrático. 
rotações translações transmutações do lp do novissimo baiano aos sessenta e tanto jeans all star e gírias do morro  cigarro no dedo verbo solto cachaça no copo santo amaro cachoeira maragogipe.
o homem reinventado a mulher tesuda transando uma embaixo do chuveiro enquanto lá fora a cidade inunda e os morros desabam. o sexo o poema a palavra a língua colocando denotando detonando o dia de manhã que raiou as 04h59 de ontem. 
zii e zie do sinal fechado do vidro fechado das ong do morro da periferia do conselho tutelar dos meninos soltos pelas ruas. morangos mofados tudo mofado e essa chuva que não pára essa merda que não cheira esse gozo que não vem esse grito abafado perdeu perdeu perdeu maluco e a canção foi feita deixando o educador frustrado nessa noite de sábado que veio as cinco e vai até bem mais tarde entre um café e outro.
Tchau, mamãe 
Valeu

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Viver intensamente é viver a beira de penhascos.


Fato constatado 
outro dia em que fui de zero à mil e vice-versa

em menos de trinta minutos 

numa overdose de emoções opostas. 



sábado, 4 de abril de 2009

"Menina amanhã de manhã" ou Dias de alguma poesia


"Na hora ninguém escapa
Debaixo da cama, ninguém se esconde
A felicidade vai desabar sobre os homens 
Vai desabar sobre os homens
Vai desabar sobre os homens"


é assim.

Licença poética para falar: estou com saudade.



O sol deu uma trégua à Cidade da Baía ia ia. O céu amanheceu cinza escuro quase desabando em nossas cabeças. Pé na rua e uma pá de lembranças tomaram minha cabeça. Dias cinzas, são dias essencialmente introspectivos. Dentro de mim irradiou-se alegria. Trazendo consigo a lembrança daquela que foi o primeiro amor adolescente do poeta récem descoberto Margô: flor que desabrochou no canteiro do edifício velho do subúrbio da cidade. Veio intensa como tudo que é bom e não se esvaiu com o tempo. Amadureceu com o girar da ampulheta e do fogo nasceu o amor. Amor de raízes fortes pé de cajá sertão recôncavo familiar. 
Sem o calor, a cidade acordou sem pressa. A chuva fininha na janela e no corpo rememorando os dias de santa inês, sopa de letra e poesia, dos pés que encontravam-se embaraçados nas calçadas cabulescas, do frio do charco licor saboroso carne na panela, do forró arrochado na praça irajuba. Veio tudo, inundando a alma e emociando o poeta. 

De repente do cinza fez-se o colorido 
e da paixão adolescente,
o amor maduro.

De repente do peso da cidade
fez-se a poesia do cotidiano
e das palavras truncadas,
o instante mais insano.

De repente da vida que era monótona
fez-se um samba enredo
e da flor que desabrocha,
perfumou-se o mundo inteiro.

"De repente do riso fez-se o pranto"
e da saudade que era muita, 
o mais bonito canto.