Para Caio F.
(Ao som do disco Qualquer Coisa, de Caetano Veloso.)Quando ele chegou já era bem tarde. Trazia os livros protegidos pelo seu terno. Estava tão elegante. O cabelo solto, revolto - quando conversava comigo costumava passar a mão nos cabelos, jogando-os para trás. Isso ficou como sua marca, como sua maior lembrança - o jeito de jogar os cabelos, dando a ele um ar de juventude transviada.
Já passava das 02h da madrugada, estava meio bêbado de tanto vinho. Chegou em silêncio. Despiu-se e deitou ao meu lado, completamente nú. Gostava de sentí-lo assim nú, desde a primeira noite, enconstando seu corpo contra o meu. E durmiámos a noite inteira e vistos de cima pareciamos um corpo só. E éramos.
Na primeira vez que nos olhamos foi numa vernissagem. Ele, escritor e eu, estudante de artes. Passamos a noite na varanda do casarão, conversando, tomando vinho do porto. Os convidados já haviam ido embora, o escritor homenageado também, só estavam ali nós dois e os garçons que não sabiam, constrangidos, como nos avisar que estavam encerrando as atividades. Rimos sem graça e em meio as desculpas descemos as escadarias daquele casarão secular e tomamos a rua.
Parados em frente ao portão não sabiamos que rumo tomar, se desceríamos a ladeira e nos sentaríamos na praia e veríamos o nascer do sol, ou se tomaríamos um taxi em direção a sua casa, e lá falaríamos mais sobre poesia e fumaríamos baseados.
Chegamos na sua casa em silêncio, já era muito tarde. A rua estava deserta, apenas umas janelas azuis. E latidos de cachorros ao longe.
Com a casa ainda no escuro nos beijamos pela primeira vez. Sua barba mal feita arranhando meu rosto de adolescente-calouro de artes cênicas. E nos deixamos possuir com uma ânsia, que ali mesmo rancamos nossas roupas e sentimos pela primeira vez os nossos corpos, os nosso pêlos roçarem e nossos suores.
E desde então passamos a frequentar um ao outro. Suas bibliotecas, os meus filmes, nosso samba e amor feito a noite inteira.
Ontem, quando chegou cansado das aulas, bêbado e pesado cheio de livros, eu estava durmindo. Fui acordado com ele me tocando os pés, fazendo carinho nos dedos, beijando-me desde embaixo até encontrar-me a boca. Tinha espalhado os seus versos e textos pelo quarto inteiro e algumas velas e incensos. E numa espécie de ritual nos amamos, como se fosse a primeira vez - sempre parecia a primeira vez, apesar de sabermos, de conhecermos os pontos, os cheiros um do outro. Fizemos amor em cima dos seus versos, ele declamando suas histórias e eu, interpretando seus personagens clássicos e gozamos do nosso amor de há muito tempo.
5 comentários:
adorei o final!
ótimo texto, quiabento! =D
um anjo lá do céu de tanto rir de mim quase quebrou a asa, sabia?
mira imperfeita. tsc, tsc
gostei do texto pra lá de intimista.
;)
bacio!
'Fizemos amor em cima dos seus versos, ele declamando suas histórias e eu, interpretando seus personagens clássicos'
é de uma singularidade poética isso que escreveu que não faz idéia. adorei muito.
abraço, quiabentíssimo!
Amei. Caio sou eu !
Passando a frequentar mais esse blog... =)
Postar um comentário