segunda-feira, 6 de julho de 2009

Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso

Duas cidades. Uma que vai pro lado de lá e outra que vem pro lado de cá.

O olhar meticuloso do fotógrafo traduz essa Bahia que descobrir já na minha infância. Foi já adulto que desvendei o lado de lá. De trem de ônibus de carro a passeio a trabalho. Vi do lado de lá uma beleza que nunca me mostraram do lado de cá. Vi um povo batalhador que da maré tira o alimento de cada dia, que bem cedo, antes mesmo do galo cantar, já tá de pé. Requentando o pão "acordando o pão no fogo" preparando o café pingado dos meninos. Povo que lava roupa de ganho, que faz cocada pra vender no trem, menino que pula poça de lama, que empina pipa na laje, que surfa no trem e no fundão no buzú.
Não romantizei o lado de lá, afundei o pé na lama, descendo barranco chamando mulher pra subir com os meninos porque a lama tava descendo levando tudo. Naquele dia chorei por dentro - foda perder tudo e ainda meter mão na lama pra juntar o que restou.
Dignidade. Do lado de lá vi muita humanidade pai e mãe de seis filhos juntando sucata pra vender pro cara pagar uma mixaria e ainda sair de lá satisfeita.
Ê povo festeiro. Do lado de lá tomei muita cachaça na laje, café no copo de requeijão e sempre tive um prato de comida saborosa.
Foi no lado de lá que me assumi como educador. Na prática, no desafio do cotidiano vou me formando e amadurecendo, orgulhoso pela escolha que fiz: está com eles, está aliado a eles.
Juntando o lado de cá com o lado de lá criei uma Bahia de verdade. Colorida e diversa que faço questão de apresentar aos amigos estrangeiros de sua própria cidade. É no lado de lá que tem um povo baiano forte que não acorda de turbante nem maquiado sambando e batucando. Acorda pra pegar buzú lotado, enfrentar fila do sopão, o trem saculejando na ponte e o toque de recolher da bandidagem. É esse povo que coloca a cidade de pé, do cimento ao concreto, do piso ao telhado, levantando arranha-céu na paralela e na tancredo neves. Que faz a cidade pulsar mais humana e diferente do cartão postal.
O povo de lá, é também o daqui de perto, que tá construindo comigo novas possibilidades de mundo e humanidade. Que tá fazendo a arte e transformando a cidade. Povo meu, que também sou eu, mesmo vindo do lado de cá. No futuro, no dia de amanhã sonho ver uma única cidade. Negra, branca, gay, hetero, candoblezeira, evangélica. Não é utopia vazia, isso eu aprendi com o Mestre Paulo Freire, é utopia pé no chão convivendo, colaborando com/para a construção desse amanhã que tanto desejamos.

Amén.


foto: alex oliveira.

2 comentários:

Alex Oliveira. disse...

é uma honra ter a minha foto, ilustrando um texto tão belo.
parabéns pela sua palavras, pela sua sensibilidade, pelo seu fazer amigo sempre, ao meu lado.

Zé Aloir ● disse...

Me arrepiei duas vezes lendo seu texto. Como urbanista diria que você seria um ótimo colega, rs. A cidade vai além de seus cartões postais, de suas construções. A cidade vive, e dá a vida. A cidade chora, ri, acorda, dorme. A cidade, Salvador, mais que tudo, pra mim, um perdido, canta!

Cantemos todos junto a ela. Cantemos o canto real de cidade.

e que você, novo baiano, a possa sempre curtir numa boa.

Bem-vindo sempre.