Desde quinta a cena retorna como uma onda à minha retina: os olhos dele cheio de lágrimas fixo no homem alto negro magro de colete marrom do conselho tutelar. O tal homem, representante do estado, tava ali para buscá-lo. O seu irmão mais novo tinha sido levado mais cedo e não tinha derramado uma lágrima sequer. A partir daquele momento o estado assumia a guarda daqueles dois menores enquanto eu passava a me sentir um educador frustrado. Foi mal, papai Anoiteceu. Não consegui me despedir dele, fiquei muito triste vendo a cena e envergonhado me tranquei na sala de aula, chorando solitário e derrotado. Voltei pra casa, pedindo aos deuses proteção àqueles meninos, cantando, chorando, me despedindo deles mentalmente. Tchau, mamãe Valeu.
Pariu, cuspiu/Expeliu/Um Deus, um bicho/Um homem
Escutar o novo cd de Caetano, entre uma leitura e outra para a monografia, me fez refletir sobre a minha escolha profissional. A primeira música de título Perdeu, com sua guitarra marcada e canto-protesto, veio em cheio à memória da minha pele e ressoou trilhando a história desses meninos que encontrarei daqui pra frente.
Ser educador da periferia é uma escolha dolorida, por ter que ver pelas entranhas, pelo lado de dentro como as coisas acontecem. Ver uma realidade perversa e sem futuro, sem amanhã.
O sol se pôs / Opôs, nasceu/ E nada aconteceu
Ser
educador na periferia é uma escolha ESPERANÇOSA. Estar ao lado dos oprimidos é acreditar que juntos podemos mudar o rumo dessa história que já vem pré-editada, pré-meditada. É ter fé no homem.
Havemos de amanhecer, preveu o poeta Drummond.
Ser
educador é perceber em meio à madrugada os primeiros raios de sol. E é na luta diária na cidade sotero-cosmo-metropolitana que se constrói o futuro. Com a mão na massa levantando a laje, com o pé no chão de barro, com a caneta em punho tcceando idéias, sentado em roda dialogando com os adolescentes e com os pais dos adolescentes, derrubando os muros das universidades e aproximando-se da realidade-comunidade. Assim, ficaremos grávidos e comporemos nossas próprias canções, nossos próprios textos, faremos nossas próprias leituras de mundo criticizando-o e se percebendo nele e parte dele.
Cresceu, vingou/ Permaneceu, aprendeu/ Nas bordas da favela
Ilhado entre textos, canções, artigos e dissertações passei o fim de semana. Deles, tenho feito barquinhos e aviões de papel e partido pra outros mundos possivéis construídos a partir da margem e vindo das favelas.
Um comentário:
'tenho feito barquinhos e aviões de papel e partido pra outros mundos possivéis construídos a partir da margem e vindo das favelas.'
lindo, transbordando sentimentos e reações.
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